Eu estava lá no sul, na chuva e no frio, e eu não tinha onde ficar e parei em um hotel na frente da rodoviária com minha mochila pesada e minhas pernas cansadas de tanto andar e andar com todo aquele peso (o peso da mochila e o peso do meu coração velho e estragado) e dois velhos nazistas evangélicos me atenderam e me perguntaram se eu ia passar a noite sozinha, porque aquele era um hotel de respeito e de família, e que eles só tinham um quarto por 30 reais e me deram a chave e eu entrei e vi tufos de cabelo do lado da minha cama, uma coisa vermelha na pia do banheiro, uma barata perto da enorme teia de aranha, um ar sufocante e úmido e o velho evangélico com um bigode amarelado enorme começa a tossir e a escarrar de 30 em 30 segundos repetidamente, contados no relógio, bem na frente da minha porta. E nesse hotel eu deixei de ser machinho e meu lado mulherzinha falou mais alto. Tive tanto nojo, tanto nojo... E pensei na minha cama limpinha e quentinha daqui de São Paulo... Tentei imaginar quantas putas já foram comidas naquele quarto (os velhos disseram que era um quarto de família, mas naquele chiqueiro? Que família? Só se forem as putas e os filhos delas mesmo...). Eu não conseguia encostar em nada, era tudo sujinho demais, sujinho demais até pra mim, que não tenho frescura... E eu sai do hotel, perdi 30 reais que já tinha pagado porque eu não estava com saco pra bater boca e pedir a grana de volta, voltei pra rodoviária e peguei um ônibus pra outro lugar. Neste outro lugar nem rodoviária tinha, cheguei em uma praça e o que eu temia aconteceu, o motorista disse “Corupá, destino final” e eu tive que descer. Eu estava no meio do nada. Parei no bar (bar sempre tem em qualquer lugar) e bebi uma dose de conhaque. Perguntei se existia um lugar pra ficar e me levaram pra um galpão com fachada verde onde tinha um hippie nórdico que me hospedou. Lugar limpinho, lençóis cheirosos e café da manhã com doce de leite. De manhã vi meia dúzia de cachoeiras e me enchi da natureza, o nórdico me pagou umas brejas e eu disse tchau. Peguei um ônibus direto pra poluição de Porto Alegre. Todo tesão que me falta por São Paulo me sobra por Porto Alegre. Precisava comer e decidi procurar um yakissoba porque era barato e tinha carboidratos, carne e legumes, e eu precisava de comida de gente porque estava à base de cerveja e tang com ypioca há algum tempo, entrei num buteco japonês e um chinês bizarro me atendeu, ele tinha uma verruga no canto da boca e tinha uns fiozinhos que iam até abaixo do pescoço, ele ficava alisando aqueles fiozinhos e o avental dele parecia avental de açougueiro, foi ai que tive meu momento nojinho II e perguntei se tinha “cheesecake” e antes que ele respondesse “não, sua idiota, isso é um restaurante japonês” eu já estava lá fora tropeçando em uma latinha. Fui pro gasômetro e encontrei os guris que falam com aquele sotaque lindo, e fui ouvir roquinho e beber, causar e ser feliz e me sentir livre. Eu estava sozinha, ninguém me conhecia, eu não era absolutamente ninguém e podia ser qualquer uma. Fui Bia, Camila, Rita e Margarete. Fui de São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro (mesmo fingindo um sotaque caricato). Subia e descia ruas sem horário, sem pressa e sem destino. Fiquei na rua por uns dias. Fiquei embriagada por uns dias. Dormia com pessoas quando precisava de cama e de chuveiro e de comida. E eu fui ao Teatro e vi Mário Quintana e ouvia Bob Dylan e Vanguart no mp3 sentada na calçada esperando alguma coisa acontecer e sempre acontecia... Um bêbado vinha e filosofava, alguém me convidava pra ver bandas ou me pediam fogo pro cigarro e com o fogo vinham conversas e conversas levavam a outras coisas. E era sempre algo diferente e inesperado. Conheci uma perdida de São Paulo, ficamos amigas, dividimos um quarto, bebidas e um loirinho de 19 anos. Com ela ficou mais fácil viajar, pedimos carona ou rachamos as despesas... E estamos por ai, aqui agora e não sei aonde amanhã...
Decidi que não quero mais viver sabendo o que vai me acontecer. Eu não quero mais viver acordando as 8, saindo de casa as 9, entrando no trabalho as 10, e saindo as 18 pelo resto da minha vida, vendo os mesmos rostos e as mesmas frases e a mesma rotina. Eu não vou mais viver amando a mesma pessoa, quero amar e odiar todas. Quero fumar cigarros de todos os tipos, de cravo e de cereja, e beber saquê e tequila misturados com tudo o que aparecer. E vou andar pelo sul e norte e no calor e nas geleiras e vou ver tudo e sentir tudo. Vou gastar toda minha vida ate não sobrar mais nada.
Decidi que não quero mais viver sabendo o que vai me acontecer. Eu não quero mais viver acordando as 8, saindo de casa as 9, entrando no trabalho as 10, e saindo as 18 pelo resto da minha vida, vendo os mesmos rostos e as mesmas frases e a mesma rotina. Eu não vou mais viver amando a mesma pessoa, quero amar e odiar todas. Quero fumar cigarros de todos os tipos, de cravo e de cereja, e beber saquê e tequila misturados com tudo o que aparecer. E vou andar pelo sul e norte e no calor e nas geleiras e vou ver tudo e sentir tudo. Vou gastar toda minha vida ate não sobrar mais nada.
4 comentários:
Li novamente! Muito bom! Tu é foda minha raposa. Nao deixe esse dom morrer. Tu escreve bem, bem mesmo. Um beijo, carinho, yours Kohn
PUTA QUI PARIU! Que delícia de texto!
Nem sei como cheguei aqui, ou perambulando de blog em blog, ou por causa do título. Mas que achado mais feliz! Votarei sempre e tratarei agora de ler os textos anteriores.
Marcelo
pô, que vergonha que deu do meu blog agora...
gosto do espírito beatnik, fiquei me sentindo o sujeito com a maior bola de ferro do mundo amarrada aos pés.
que delícia sentir esse eco...
estou devorando e queia saber mais...volta a escrver.
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